ATA DA VIGÉSIMA SEGUNDA SESSÃO SOLENE DA TERCEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 27.06.1991.

 


Aos vinte e sete dias do mês de junho do ano de mil novecentos e noventa e um reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Vigésima Segunda Sessão Solene da Terceira Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura, destinada a homenagear os noventa anos da Editora Vozes, a Requerimento, aprovado, do Vereador Antonio Hohlfeldt. Às dezessete horas e vinte e quatro minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos e solicitou aos Líderes de Bancada que conduzissem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Vereador Omar Ferri, 2º vice-Presidente da Casa, presidindo a Mesa dos trabalhos; Vereador Antonio Hohlfeldt, Prefeito em exercício de Porto Alegre; Frei Neylor Tonin, Diretor Editorial da Editora Vozes; Frei Leonardo Boff, Redator da Revista de Cultura Vozes; Major Edgar Inchauspe, representando o Comando Geral da Brigada Militar; Senhor Roque Jacob, Presidente da Câmara Riograndense do Livro. Ainda o Senhor Presidente registrou as presenças, no Plenário, dos Senhores Lídio Peretti, Gerente da Filial de Porto Alegre da Editora Vozes; Nilo Berto, Irmão Marista da Pontifícia Universidade Católica; Valdemar Boff; Antonio Cechim, Sub-Prefeito Municipal das Ilhas Pintadas; Maria Luiza, Vereadora de Alegrete; Virgínia Feix, representando a Secretaria Municipal de Cultura; Fernando Schüller, Coordenador do Livro e Literatura; Luiz Alberto Deboni, Diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS; Álvaro Valls, Coordenador de Pós-Graduação de Filosofia da UFRGS; Ari Pedro Oro, Professor de Antropologia da UFRGS; Maria A. Wunderberg, Professora da Fundação Integrada Regional de Santo Ângelo; Maria Regina Röesler, Assessora de Planejamento da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões. Após, o Senhor Presidente fez pronunciamento alusivo à solenidade e concedeu a palavra ao Vereador Clóvis Ilgenfritz que, em nome das Bancadas do PT, PDT, PCB, PSB, PTB, PDS e PL, discorreu sobre o significado da data hoje comemorada, falando sobre a origem da Editora Vozes e o trabalho sempre por ela desenvolvido em prol da comunidade, em especial da comunidade mais carente. Após, o Senhor Presidente registrou o recebimento, pela Casa, de correspondência relativa ao evento e concedeu a palavra aos visitantes que se manifestariam. O Frei Neylor Tonin falou sobre as características da Editora Vozes, dizendo pautar-se seu trabalho na verdade, sendo grande divulgadora da cultura religiosa. Ainda, procedeu à entrega do livro “Justiça Política” ao Vereador Antonio Hohlfeldt. O Vereador Antonio Hohlfeldt discorreu sobre o caminho percorrido pela Editora Vozes, dizendo que a história dessa Editora em muito se relaciona com a história do nosso País. O Frei Leonardo Boff agradeceu o reconhecimento e o apoio sempre recebido da Editora Vozes e, também, o Título de Cidadão Emérito recebido desta Casa em mil novecentos e oitenta e cinco. Em prosseguimento, o Senhor Presidente agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às dezoito horas e vinte e seis minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Omar Ferri e secretariados pelo Vereador Clóvis Ilgenfritz. Do que eu, Clóvis Ilgenfritz, 3º Secretário, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1º Secretário.

 

 


O SR. PRESIDENTE (Omar Ferri): Estão abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, que se destina a homenagear a passagem dos noventa anos da Editora Vozes. Esta homenagem foi proposta pelo Ver. Antonio Hohlfeldt.

Falando em meu nome pessoal, em nome desta Casa, de seus funcionários e do seu corpo administrativo, quero juntar-me a essas merecidas homenagens à Editora Vozes, que completa noventa anos, e que foi, podemos dizer, uma editora ímpar em todo esse tempo, pelo cunho dos seus objetivos de sempre ressaltar a educação em caráter de abrangência em todo este País, no sentido literário, no sentido social, no sentido econômico, no sentido cultural, no sentido filosófico e no sentido religioso, de tal maneira que me parece que ela foi, durante aquele largo período excepcional – eu diria até de excrescência jurídica – ela foi uma espécie de pulmão através do qual se respirava alguma coisa que tinha conotação com democracia, enquanto as livrarias permanecessem abertas, enquanto livros fossem editados, enquanto a cultura resistia, era sinal de que o povo deste País, liderado pelas idéias, pelo iluminismo dos livros e daqueles que eram responsáveis pela sua realização, pela sua criação, como é o caso, aqui, do Frei Leonardo Boff, este homem que simbolizou uma nova ordem de filosofia, uma nova ordem de ideologia para uma Igreja que parecia que há dois mil anos estava estagnada em matéria de idéias que deveriam ser importantes pelo símbolo que ela representava para toda a humanidade. A voz que há dois mil anos clamava no deserto se refletia através de um se seus filhos diletos, afrontando aquela atmosfera de fraqueza, de conservadorismo, antiprogressismo, principalmente em matéria de idéias e de cultura.

Com estas pequenas e humildes palavras, quis dar a minha visão pessoal e a visão da Casa pela honra e pela satisfação que nós todos temos em receber hoje, neste Plenário, os representantes da Editora Vozes, seus funcionários, seus líderes e as digníssimas autoridades aqui presentes, todas elas, inclusive uma que quero fazer uma menção toda especial: o Roque Jacob, que é o Presidente da Editora Mercado Aberto e que, num momento decisivo para este País, teve coragem de editar um livro chamado “Seqüestro no Cone Sul – O Caso Lílian e Universindo”, livro escrito por mim, onde denunciava as arbitrariedades do Departamento de Ordem Política e Social, onde denunciava a violação dos direitos humanos e onde denunciava, acima de tudo, a violação do ordenamento jurídico brasileiro e, mais ainda, a conivência das polícias políticas do Cone Sul, que se entendiam e se integravam para praticarem crimes em toda a área do Cone Sul. O Roque Jacob teve a coragem de publicar um livro que denunciava e dava os nomes das pessoas que estavam vivas e que estavam aqui e que tinham participado de fraudes, crimes, seqüestros, assassinatos. Por isso é que tenho muita honra em receber também o Roque Jacob e também os amigos que estão aqui presentes.

Feito este pequeno comentário, que me alonguei propositadamente porque estávamos esperando a presença do Sr. Prefeito Municipal e a presença do Sr. Clovis Ilgenfritz, para falar em nome das Bancadas do PT, PDT, PDS, PTB, PCB, PSB, e do PL.

Com a palavra o Ver. Clovis Ilgenfritz.

 

O SR. CLOVIS ILGENFRITZ: Sr. Presidente, Exmos Srs. Vereadores, senhoras e senhores presentes nesta Sessão Solene, como Líder da Bancada do PT, membro da atual Administração Popular e, poderia dizer, amigo da Editora – mesmo que não seja conhecido dos dirigentes, dos Diretores, mas amigo porque há uma comunhão de ideais e identidade há muito tempo – sinto-me lisonjeado, honrado em poder falar em nome da nossa Bancada e das Bancadas que nos honraram com esse pedido de representação: PDT, PDS, PTB, PCB, PSB e PL.

Queremos saudar os noventa anos da Editora Vozes, dizendo que desde a vinda do Frei Inácio Vinck e dos seus primeiros trabalhos ligados à questão religiosa, mas ligados fundamentalmente à população de baixa renda, às populações marginalizadas, às crianças, através do catecismo, da doutrina cristã, através de uma edição de um livro de leitura, de um caderno de caligrafia, coisas que têm um sentido didático, prático e objetivo, que mostra, já de início, na sua fundação, o que pretendia e o que conseguiu ou está conseguindo fazer esta Editora. Nós sabemos das obras importantes, por exemplo, de Jung, que são traduzidas, sabemos das obras que estão sendo ventiladas, vendidas e distribuídas não só aqui, mas no mundo inteiro.

E nós temos certeza de que se todos os setores da sociedade, todas as editoras, todos os responsáveis pela comunicação, pelo conhecimento, pela educação tivessem a postura – eu diria mais: assumissem o caráter que tem a Editora Vozes – nós estaríamos, quem sabe, num mundo muito melhor. Eu não era e não sou a pessoa mais indicada para falar aqui neste instante, uma vez, também, que estou substituindo o proponente deste ato solene, que é o nosso Presidente, Ver. Antonio Hohlfeldt, que hoje está ocupando o cargo de Prefeito. Ele me pediu, quem sabe, ainda me dando muito pouco tempo para me preparar. Eu tenho certeza de que, quando ele falar, vai dizer tudo que eu não disse, com mais propriedade. Mas eu assumi, porque me senti bem, me sinto entre pessoas amigas, conhecidas pelo trabalho que fazem na comunidade e pela identidade que têm com a gente como pessoa e com a gente, no meu ponto de vista, como ideais. São coisas que a gente faz como já fez no mundo sindical e está tentando fazer no mundo partidário, através da proposta do Partido que eu represento aqui neste momento.

Então, a nossa saudação, o nosso desejo de que esse trabalho que completam noventa anos continue a existir cada vez mais chegando às populações que realmente precisam desse trabalho. A presença desta pessoa que nós aprendemos a admirar que é o Frei Leonardo Boff já, por si só, mostra a importância deste momento e a importância que adquire a Revista de que ele é o Editor. A presença das pessoas que estão hoje conosco na Mesa e neste Plenário também mostra claramente que nós estamos comungando aqui num processo de saudação a um trabalho que foi feito e tem, eu diria, apenas noventa anos. Para a nossa visão de mundo é pouco, para uma visão histórica dos povos é pouco, mas para o Brasil que é um país jovem no trato desses problemas, é uma longa trajetória. Há poucos dias, tivemos alguns momentos de saudação, desta Casa, a alguns organismos da imprensa que completaram vários anos de atividade, que é o caso do Jornal do Comércio, do Correio do Povo, da Zero Hora, e esta Casa homenageou esses organismos. Mas, confesso, não é a mesma coisa, com todo o respeito que temos por esses órgãos de imprensa; não é a mesma coisa, porque se tratam de assuntos predominantemente do interesse das classes dominantes, embora façam questão, e muitas vezes até são democráticos, mas não têm uma proposição como esta de agora, que é clara, objetiva e que, desde a sua fundação, tem sido coerente, embora com dificuldades, inclusive interpostas por esses outros organismos.

Nós defendemos aqui a liberdade de imprensa, o que não está havendo agora com o jornal Folha de São Paulo, porque o Presidente da República está processando, porque eles teriam dito alguma coisa de que ele não gostou. Mas não é a mesma coisa, porque esses organismos vivem num outro processo, num outro mundo, que está estratificado e que chega com a sua mensagem para tentar aplacar as populações, na sua maior parte – com exceções – com grandes editorialistas, com artigos de fundo importante, tudo bem; trazem cultura também; mas para quem sabe selecionar, para quem sabe ler nas entrelinhas, para quem sabe ver o que realmente interessa à maioria, ou para quem já está posicionado no lado da minoria e que domina e explora os pobres. Então, para mim é importante fazer essa saudação, e me desculpem a forma simples de me dirigir a todos, mas é importante porque aqui a gente tem uma identidade, e quer continuar tendo, e quer construir cada vez mais esse tipo de trabalho.

Nosso abraço à Editora Vozes, através de seus dirigentes, aos representantes dos editoriais dos livros, ao Frei Leonardo. E a certeza de que o trabalho que está sendo feito vai ser promissor, cada vez melhor para a população do nosso País, da América, do Terceiro Mundo e de todos os povos que estão cada vez mais necessitando deste tipo de trabalho. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Mesa assinala a presença da Srª Virgínia Feix, representando a Exma Srª Secretária Municipal de Educação; do Sr. Fernando Schüller, Coordenador do Livro e da Literatura; do Sr. Luiz Alberto Deboni, Diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS; o Exmo Profº Álvaro Valls, Coordenador de Pós-Graduação de Filosofia da UFRGS; do Exmo Sr. Ari Pedro Oro, Professor de Antropologia da UFRGS; da Exma Srª Maria A. Wunderberg, professora da Fundação Integrada Regional de Santo Ângelo; da Exma Srª Maria Regina Röesler, Assessora de Planejamento da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, autora de “Trem de Carretel”, livro infantil editado pela Vozes.

A Mesa passa a ler as mensagens recebidas, as quais serão repassadas à Direção da Editora Vozes (Lê.)

“Por compromissos assumidos anteriormente não será possível comparecermos à Sessão Solene do dia 27 de junho, quando será comemorado os 90 anos da Editora Vozes. Agradecendo mais uma vez a atenção dispensada, subscrevemo-nos com apreço e admiração. Atenciosamente,

(a) José Carlos de Mello Dávila – Diretor-Presidente da EPATUR.”

“Porto Alegre, 19 de junho de 1991. Sr. Presidente: Dirijo-me a V. Exª para agradecer o convite para a Sessão Solene dedicada a homenagear a passagem dos 90 anos da Editora Vozes. Atenciosamente,

(a) João Gilberto Lucas Coelho, Vice-Governador.”

“Porto Alegre, 18 de junho de 1991. Sr. Presidente: Queremos agradecer o convite para a Sessão Solene dedicada a homenagear a passagem dos 90 anos da Editora Vozes, que se realizará dia 27 de junho próximo e, da mesma forma, parabenizá-lo pela excelente iniciativa. Atenciosamente,

(a) Mila Cauduro, Secretária de Estado da Cultura.”

“Porto Alegre, 19 de junho de 1991. Sr. Presidente, agradeço convite para participar de Sessão Solene em homenagem aos 90 anos da Editora Vozes, no dia 27 do corrente mês. Atenciosamente,

(a) Deputado Estadual Francisco Appio.”

“Porto Alegre, 24 de junho de 1991. Recebemos e agradecemos convite para Sessão Solene em homenagem aos 90 anos da Editora Vozes. Instituto Cultural Marc Chagall.”

“Ao Sr. Ver. Antonio Hohlfeldt, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre. Impossibilitado de comparecer à cerimônia de homenagem aos 90 anos da Editora Vozes, agradeço o amável convite. Solicito transmitir à Direção daquela prestigiosa entidade as congratulações do Governo do Estado.

Saudações,

                (a) Alceu Collares, Governador do Estado do Rio Grande do Sul.”

Passamos a palavra ao Frei Neylor Tonin.

 

O FREI NEYLOR TONIN: Gostaria de saudar a todos, chamando-os pelo nome mais bonito que conheço: irmãos e irmãs. (Lê.) “A Editora Vozes nasceu numa cidade imperial – Petrópolis –, mas não para servir aos interesses do Imperador. Nasceu, sim, para atender às necessidades dos filhos das pobres famílias de camponeses alemães que trabalhavam na fazenda da Família Imperial. Nasceu, por conseguinte, para responder a uma urgência e a uma carência de pessoas necessitadas. Sua primeira publicação, ‘Primeiro Livro de Leitura’, não tem grande importância, em si, não é uma obra de valor intrínseco irretocável, mas foi importante porque atendeu às necessidades de seus destinatários.

E esta é uma primeira característica que nos comprazemos em ressaltar e que, nos 90 anos de nossa história, timbramos em privilegiar no perfil da Editora: entre um livro importante e um outro que tenha importância para os nossos leitores, optamos e optaremos, preferentemente, por este último, sem abdicar do reconhecimento e do desejo de publicar também o primeiro. Nascemos, pois, como serviço e foi o público servido quem consagrou e sustentou o nome da Editora Vozes que, hoje, completa 90 anos.

A Vozes nasceu em 1901, no porão de um convento de frades, sem maiores projetos e sem estardalhaço, mas com uma determinação bem clara. E esta, se me permitem, Sr. Presidente e Srs. Vereadores, é uma segunda característica fundamental de nossa Editora. Ela, embora não alimentando a pretensão de ser mestra da verdade, tem consciência da verdade a ser defendida e da missão de divulgadora da cultura e da religião. Não fazemos, talvez, diante dos desafios de nossa sociedade, o quanto seria necessário, nem o quanto quereríamos, mas tentamos, com alegria e mesmo ousadamente, o que nos é possível. Pedimos, por isso, que nos acolham pela boa vontade que temos mais do que pelas necessidades que satisfazemos. Nascidos num porão, nós procuramos atender nosso povo nos porões em que vive, levando-lhe um credo de dignidade e libertação.

Tenho a graça, neste momento, a graça e a cruz, de ser o Editor da Vozes. Não compete, evidentemente, a mim e a nós exaltar a história de nossa Editora, mas desejamos fazer-lhes uma confissão. Nossa missão continua sendo a auscultar os anseios culturais e religiosos, sentir as necessidades da nossa gente, convidar e abrir espaço para os intelectuais da nossa terra e publicar livros. Livros             que rasguem um horizonte de esperança para os desesperados e seja uma força de libertação para os oprimidos. Não queremos ser aliados dos tiranos, nem coniventes com os opressores. Em nossa bandeira está escrito: ‘Liberdade’, e os nossos caminhos estão cheios de sonhos de uma Terra Prometida para todos os homens. Queremos servir ao homem todo e a todos os homens, e queremos ser seguidores do Homem que morreu na cruz por seus irmãos. Nascemos com esta inspiração, crescemos com esta fé e vivemos, hoje, até com a disposição deste martírio.

Materialmente, a Vozes está publicando, mensalmente, cerca de cinqüenta títulos, sendo que dez a doze novos e entre trinta e quarenta reedições, perfazendo uma tiragem de 150 mil livros a cada mês. Num ano estes números se tornam ainda mais significativos, numa terra em que se propagandeia a falta de leitura do nosso povo: são 150 títulos novos, são quase 500 reedições, num total de cerca de seis milhões de exemplares. Lembraria, ainda, as cinco revistas que publicamos, procurando servir a vários segmentos intelectuais e religiosos de nossa sociedade.

Mais importante, no entanto, do que este montante de publicações, parece-nos o perfil editorial da Vozes que foi se firmando ao longo destes abençoados e turbulentos 90 anos. Houve, é verdade, tergiversações e, quem sabe, até momentos de pouca iluminação. Por eles, nos penitenciamos. Mas a Vozes é uma editora de fé, tem fé e, sem rebuços, a confessa. Acreditamos em Deus, procuramos seguir os caminhos evangélicos de Jesus Cristo, estamos encantados pelos ideais de fraternidade de São Francisco de Assis e queremos servir aos sonhos de elevação do ser humano. Já fomos, quase oficialmente, um dia, a editora da Igreja Católica, e disto muito nos orgulhamos, já fomos a Editora do Concílio Vaticano II, quando nossa Igreja abriu suas portas e janelas e entrou em diálogo com a cultura do nosso tempo; já fomos a Editora universitária, quando ocorreu, em nosso País, o boom do nascimento das nossas universidades. Somos, hoje, indiscutivelmente, a casa da Teologia da Libertação, ponto de referência das aspirações dos pobres. Valeu a pena ter andado 90 anos para poder proclamar, à boca cheia, esta conquista. O pobre, para nós, não é apenas uma ocorrência ou um detalhe, mas o coração e o destinatário de nossos esforços.

Se me permitem, e apelando mais uma vez à falta de modéstia, acreditamos ter feito um belo caminho e escrito alguns capítulos de glória editorial. Que me secunde a palavra de um cacique, Presidente da Nação Xavante, que, ao visitar, há dias, a Vozes, em Petrópolis, e ao ver a máquina que imprimia a Folhinha do Sagrado Coração, que muitos dos senhores talvez tenham em suas casas, afirmava maravilhado: ‘Volto feliz para a minha taba. Mais importante do que a coroa do Imperador, que vi no Museu Imperial, foi ver a máquina que faz a Folhinha. Não posso – disse ele – levar para a minha tribo o brilho da coroa, mas levo, em meus olhos, a máquina que faz a Folhinha que já está pendurada na parede de minha oca.’

Sr. Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre, Dr. Antonio Hohlfeldt, Srs. Vereadores, faço-me porta-voz dos agradecimentos de todas as pessoas que integram os quadros da Vozes em todo o Brasil: os diretores, nossos gerentes, funcionários e nossos autores. Cada um, a seu modo e dentro de suas competências, é responsável pelos atuais festejos. Permito-me a satisfação de lembrar que nossa Editora estará completando, em 1992, 25 anos de presença e atuação em Porto Alegre. Muito obrigado a esta Cidade e ao Rio Grande do Sul pela acolhida sempre calorosa que nos dispensaram. Muito obrigado, também, às autoras e autores gaúchos por suas contribuições intelectuais e humanas, que a Vozes só teve a graça de divulgar em nosso País.

O Rio Grande do Sul é um Estado intelectualmente forte, de presença marcante no contexto nacional. Muito obrigado por terem escolhido a Vozes para esta homenagem. Nossos agradecimentos se dirigem, de modo especial, ao Presidente desta Casa, o Ver. Antonio Hohlfeldt, intelectual de raro brilho e crítico literário de grande correção e indiscutível autoridade.

Para encerrar meus agradecimentos, gostaria de oferecer à Câmara dos Vereadores de Porto Alegre, na presença de seu Presidente, nosso recente lançamento: o livro ‘Justiça Política’. Que ele os ajude na altíssima missão que têm de defender a cidadania do povo porto-alegrense, assim como esta homenagem que os Senhores estão nos prestando está ajudando a Editora Vozes em sua missão de continuar impávida, sem medo dos lobos, a serviço da cultura e da religião. Este livro produzido, talvez, pelo maior politólogo alemão do momento. Nós tivemos a graça de poder lançá-lo aqui em Porto Alegre, porque foi daqui que surgiu, também, a sugestão e a inspiração de nós o divulgarmos. Foi traduzido pelo Profº Ernildo Stein, e aqui foi lançado.

O Brasil precisa, se me permitem este comentário, está precisando destas duas grandes virtudes: a virtude da justiça e a virtude da política. Quer dizer, dar ao nosso povo a consistência de um caminho. E dar, também, ao nosso povo o horizonte de um ideal. Entregando este livro ao Presidente em exercício desta Câmara, gostaríamos que ele colocasse no regaço e no coração de todos os Vereadores, políticos do nosso País, esta consistência que este livro propugna e este horizonte cheio de luz que o nosso povo espera. Muito obrigado.” (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Havia um célebre filósofo francês chamado Dr. Lambiche, que era teatrólogo, ensaísta, filósofo do Teatro Vaudeville e é dele uma frase muito impressionante. Dizia que todo o homem é abobado e distraído pelo menos cinco minutos por dia, e a sabedoria consiste em não excedê-los. A Presidência foi distraída por mais de meia hora, em não ter anunciado a presença, neste Plenário do Ver. Adroaldo Corrêa.

Feita essa correção, passo a palavra ao Sr. Prefeito Municipal em exercício, Ver. Antonio Hohlfeldt.

 

O SR. ANTONIO HOHLFELDT: Prezado companheiro Ver. Omar Ferri, na Presidência da Casa e dos trabalhos; meu prezadíssimo Frei Neylor; meu querido Frei Leonardo Boff; meu prezado companheiro de lutas Roque Jacob; e, por último, mas não menor na hierarquia, na importância da sua presença aqui, hoje, Major Edgar Inchauspe, representando o Comando-Geral da Brigada Militar, e direi logo depois o porquê. Tantas pessoas e tantos amigos presentes, eu não vou nomeá-los todos porque, senão, nós iríamos muito longe, e já foram mencionados pelo meu Presidente da Casa.

Mas, quando cheguei aqui no Plenário desta Casa, comecei a ver as pessoas que aqui estão. A minha veia ficcionista, que me ataca de vez em quando, quando dá tempo, trabalhou muito rápido e, ao invés de fazer uma linha de um discurso que havia imaginado inicialmente, até porque, antecedido pelo Ver. Clovis Ilgenfritz – que é o culpado de eu ser Vereador desde 1982, porque não me deixou desistir no meio do caminho, e hoje é o meu Líder, com muita honra, do Partido dos Trabalhadores – eu me desviei, e gostaria de fazer aqui uma breve alocução, se me permitem os senhores, a que eu daria o título, talvez pretensioso, no sentido de errante, mas vou tentar evitá-lo, de “Teias de Noventa Vozes”.

Partindo, em primeiro lugar, de uma constatação que é importante. Nós, Vereadores, políticos do Legislativo, principalmente na Assembléia Legislativa, na Câmara Federal ou no Senado, enfrentamos problemas. Muitas e muitas vezes propomos Sessões Solenes, atos específicos, porque nos pedem, porque temos relações com essa comunidade, e é interessante, importante, é social para a Casa que façamos estas representações, estas Sessões, estes encontros. Quando o Lídio me telefonou perguntando-me se eu aceitaria esta Sessão, eu respondi que ficaria profundamente decepcionado e magoado se não tivesse sido a mim que ele recorresse, pretensiosamente disse isso. E hoje, realmente, vi que foi muito além do que podia ter imaginado a importância para mim. Não sei se vai ser importante para a Vozes, não sei se vai ser importante para o meu amigo Frei Leonardo, mas olhando a maioria absoluta das pessoas que aqui estão, eu me dou conta de que todos nós, ao longo dos últimos vinte e cinco anos, nos cruzamos dezenas de vezes nas mesmas perspectivas de uma luta.

Quero reportar-me ao guri que fui aos dezessete anos de idade e que, um dia, depois de ter contribuído com as páginas infantis do “Correio do Povo” e iniciado um trabalho na Rádio Pampa, fui recebido de braços abertos por aquele que eu considero o meu segundo pai, que é o Paulo Fontoura Gastal. Depois, retornando de Heidelberg, na Alemanha, eu conheci um homem que é hoje um amigo muito especial, que é o Luiz Alberto Deboni e que, junto com o Gastal, nós passamos a abrir um espaço, que ele vinha de toda uma outra experiência e buscava um espaço para trazer aquilo que havia aprendido lá fora. No correr desses anos eu encontrei, tenho um orgulho imenso de vê-lo hoje aqui, sobretudo um companheiro da Administração Popular, o Irmão Antonio Cechim, a quem eu conheci indo num lugar escondido para poder entrevistar o Frei Beto, que fugia da perseguição e da delação de um ex-Arcebispo desta Cidade. O Ver. Omar Ferri lembrou-me que foi graças ao Roque Jacob, da Editora Mercado Aberto, que se publicou a denúncia corajosa, dentro da ditadura, do seqüestro da Lílian e do Universindo. E eu tenho um orgulho imenso de dizer que eu tenho uma participação nisso, porque, conhecendo o Omar, fui eu que propiciei o encontro do Omar com o Roque, que deu um peitaço publicando esse livro.

Eu me lembro, por exemplo, que anos atrás, eu conheci o Lídio; mais do que um gerente da Vozes, é um soldado da Editora Vozes. Ele faz qualquer coisa pela Editora Vozes, e tem feito esta coisa fantástica de editar autores gaúchos, dentre os quais o Ari Pedro Oro, que quando voltou de um trabalho muito bonito com os índios, lá da Amazônia, no Campus de Extensão da PUC, tendo publicado o seu primeiro livro, conversamos os dois, lá no Correio do Povo, e foi a primeira entrevista que lançava o livro. E agora, na TV Guaíba, no programa Câmera Dois, para responder as mentiras deslavadas da Rede Globo sobre os movimentos messiânicos que envolvem os índios daquela região.

Vejo aqui a Profª Mara Rössler, de Santo Ângelo, que me deu força no meu primeiro livro infantil, e que hoje eu encontro, ela lançando um projeto e salvando a Editora Vozes do único grande defeito que tem que é não ter uma linha editorial para literatura infantil. E já cansei de cobrar do Neylor, pois a Mara vai resolver esse problema para nós. E tem outro detalhe: a Mara é irmã da nossa Diretora da Casa, a Sônia, que assumiu no início da nossa gestão.

E poderia ir cruzando esses caminhos: a Verª Luiza Marques veio aqui para coordenar e nos propor um encontro de Vereadoras e, pelo jeito, acabou virando Vereadora porto-alegrense, porque não saiu mais da nossa Casa, para nossa alegria. E mencionava o Major, e quero dizer da importância da presença dele, porque quando, por caminhos que ainda não me são muito claros, lá em Roma, tão longe da nossa realidade de Terceiro Mundo, proibiram o Frei Leonardo de falar nesta Casa, através de um Vereador que hoje é Secretário Estadual de Segurança, que é um soldado da Brigada Militar, teve a coragem, pela inspiração de um professor dito comunista, vejam só, o Profº Felizardo, de propor a homenagem desta Casa ao Frei Leonardo, uma homenagem que ele nunca pôde receber pessoalmente, e o faz hoje, aqui, e isso nos honra profundamente.

E, por fim, algumas lembranças ainda mais pessoais. Não sei se o Lídio lembra, mas quando meu filho nasceu ele acabou de testemunha no cartório, estava ali perto e eu peguei ele. O Fernando Schüller viveu toda a nossa campanha eleitoral de 1988. O Adroaldo e eu que somos da Vila do IAPI, que gerou tantos gênios. Nós dois mais humildes, mas a Elis Regina é de lá, e temos sempre de relembrar isso com muita honra. O Wilson, que está no canto, é da mesma terra de que tanto gosto: Nova Petrópolis. Vejam, é curioso: acabamos cruzando todas essas linhas nesta Sessão.

O Ver. Clovis Ilgenfritz já falou da importância da Vozes, e sua história, sem dúvida, é a história deste País: às vezes, contraditório, mas, sobretudo, profundamente corajoso através de seu povo. Leva paulada de todo jeito, mas continua. É proibido, mas continua. Parece que, quanto mais bate, mais a gente tem vontade de continuar e de brigar.

Hoje esta coincidência maluca: o Ver. Antonio Hohlfeldt, eventualmente, Presidente da Casa, por ausência do Sr. Prefeito, se torna o Prefeito em exercício. O Ver. Omar Ferri assume a Presidência da Casa. Temos esta Sessão, na qual podemos reunir todos vocês, aqui, para falar da Vozes, mas como a Vozes é nossa, ela somos nós, acabamos falando de nós. Sem dúvidas, cada um dos senhores tem um pouquinho da Vozes dentro de suas histórias e de suas vidas. Um dos sonhos em relação a Vozes, que tinha desde guri, já realizei: colaborar como resenhista para a Editora. Em qualquer dia completarei os dois outros sonhos. Um quase completei quando fui a Petrópolis, passando em frente, mas era fim-de-semana e não deu tempo para visitá-la. Um dia ainda visito a Editora. O outro, quase aconteceu: é ser editado pela Vozes. Já temos um projeto, minha parte está pronta, apenas esperamos a outra parte estar pronta. Será um livro sobre o poeta João Cabral de Melo Neto, um livro coletivo que vai homenagear um dos grandes poetas deste Brasil.

Enfim, Sr. Presidente e Srs. Vereadores, eu quero dizer que ao fazer toda essa mistura, desejo transmitir que hoje é, para mim, um dos dias mais importantes da minha vida de Vereador, mais importante do ponto de vista político, porque são caminhadas de muitos de nós. Estamos registrando aqui, neste momento, nesta Sessão, e quero mais uma vez lembrar também uma ausência presente, através do Major Edgar, a presença do Ver. Adão Eliseu, hoje titular da Segurança do Estado, que nos propiciou a homenagem que, na época, foi politicamente fundamental. Espero que os próximos noventa anos da Vozes tenham no mínimo a coerência desses que passaram até aqui e que não seremos nós quem vai comemorar os outros noventa, mas certamente outros que nos sucederão, e possam dizer o mesmo que hoje estamos expressando aqui. No mais, só espero que o Frei Leonardo continue lutando conosco e por nós, e que, ao falar aqui na Casa, hoje, nos dê a sua força e a sua bênção, que, sem dúvida nenhuma, nos ajudará a todos. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Concedemos a palavra ao Frei Leonardo Boff.

 

O FREI LEONARDO BOFF: Prezados amigos, meus irmãos e irmãs, agradeço muito as palavras de reconhecimento e apoio dadas à Editora Vozes e, incidentalmente, também a minha luta e a minha pessoa. Neste momento, quero aproveitar a ocasião e agradecer a homenagem que em 1985 me foi concedida por esta Casa de ser Cidadão Honorário de Porto Alegre, fato que me honrou muito e que, lamentavelmente, não pude pessoalmente estar aqui para receber esse Título, pois estava no silêncio obsequioso, penitencial. Mas um grande amigo meu, de todos nós, o Deputado Estadual Adão Pretto, e a líder popular Luiza o receberam em meu nome. Para mim será uma referência imorredoura, porque as raízes de minha família estão neste Estado, e muito do espírito libertário que habita o meu próprio fogo vem deste Estado, da tradição libertária e, diria, até revolucionária do Rio Grande do Sul.

O que eu queria dizer hoje são poucas palavras sobre o significado da Editora Vozes e da intelectualidade brasileira, rio-grandense, para a nossa produção editorial. A Vozes, mais do que tudo, representa um sonho. As coisas valem pelo sonho que elas evocam. Os fatos passam, as conjunturas se suplantam. Agora, os sonhos não. São os sonhos que tiram das cinzas as chamas, que alimentam e movimentam os espíritos e que fazem a história andar. A Vozes nasceu de um sonho, um sonho de um humilde frade que nem padre era, era um irmão leigo, mas que sentia o grito dos humildes que não tinham meios de chegar à inteligência e inventou a Editora para criar instrumentos de conhecimento. Cartilhas, livros, não restritos apenas ao ensino religioso, mas a todo tipo de saber. Talvez o apanágio maior da Editora Vozes é ela poder saber e saber colher as sementes do Verbo, que se dão em todas as manifestações da luz humana: na religião, nas ciências, no mundo do sagrado e no mundo secular. Por isso que desde os seus primórdios a Vozes mantém dois editoriais: um editorial religioso, que recobre o espaço desde a criança, no seu catecismo, até a inteligência mais problemática, mais angustiada, que exige já o discurso da teologia; e o segundo editorial, que é o editorial leigo, que se ocupa das ciências, que vai desde a antropologia, da psicologia, da história, da lingüística – afinal, todo o saber humano.

E é uma honra para a Casa que nos tempos sombrios da ditadura militar, quando a inteligência brasileira foi afogada, a Editora Vozes se prestou a ser um oásis que acolhia a produção daquelas pessoas que não podiam se comunicar. Grandes nomes que nem sequer cristãos se sentiam, são ou foram, mas que procuravam, à luz da verdade, se comunicar com a inteligência brasileira. Nomes como José Honório Rodrigues, Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, o próprio Roberto da Matta, Paulo Freire e outros, encontraram na casa espaço, apoio para publicar as suas obras. Trabalhávamos em silêncio, o silêncio da serra; sem nenhuma provocação, mas com insistência, ocupando todos os espaços possíveis à liberdade, metendo as nossas cunhas onde podíamos, para permitir que a inteligência pensasse, publicasse e se mostrasse viva, apesar dos cantos sombrios. Fazia noite, mas nós publicávamos e cantávamos.

Talvez a força maior da Editora Vozes, a sua significação mais original, está em ela, desde o começo, se identificar com a causa dos oprimidos. Não é glória nossa, é fidelidade ao carisma de São Francisco, o poverello, o fratello. Essa fidelidade se manifesta, hoje, com o empenho da casa pela causa da libertação que se traduziu por todo um discurso do pensamento latino-americano e brasileiro, libertário nas várias ciências, que se expressou também na religião, pela teologia da libertação. Temos sofrido a incompreensão, a tergiversação, o silenciamento, a perseguição e – por que não dizer? – até a morte simbólica, moral desta causa.

Mas nós continuamos, porque essa causa é maior que a biografia das pessoas, é uma causa imorredoura, é a causa do evangelho, uma causa que é sempre sacramentada pela perseguição, pela luta, pelo sacrifício. Mas ela vale por si mesma, não precisa de legitimação. Às vezes, causa-nos tristeza que as perseguições e incompreensões vêm dos próprios irmãos da fé, mas lutar pela libertação é lutar apesar disso, com isso, libertados também dessas injunções para viver a liberdade plena. A Editora Vozes, hoje, é no conspecto da produção mundial, uma referência do pensamento libertador; não só no Brasil. Cabe-me viajar muito pelo “Império do Ocidente”, pelo mundo cristão, e sentir que o nome de Vozes e Petrópolis está indissoluvelmente ligado ao temário da libertação, que foi levado com seriedade, que recebeu, deu acolhida não só à reflexão teológica que se divulga e se traduz, mas também a expressões populares, na catequese, na liturgia, nos testemunhos das nossas comunidades de base, nos seus confessores, nos seus mártires, nos seus pastores. Toda essa gama pela qual se expressa a teologia da libertação recebeu, na Vozes, acolhida, amparo e expressão. Então, por tudo isso, a Vozes se sente vinculada a esse sonho, o sonho da liberdade.

Ao mesmo tempo, a Vozes sempre foi uma mediação, ela não quis ser um fim em si mesma: ela quer ser um espaço que acolhe as pessoas que produzem, que com seriedade assumem o desafio da inteligência, que se confrontam com o real e procuram decifrá-lo, fazê-lo passar avante como mensagem. Nós estamos, ainda hoje, abertos a todo trabalho sério, às várias tendências do pensamento. Não somos seducionistas, nem só liberacionistas. Tudo aquilo que for sério, profundo, está ligado a pesquisa, está ligado a um trabalho que busca conexão com as vertentes profundas da nossa nacionalidade, encontra na Vozes sempre acolhida e encontra apoio. Por fim, a Vozes também quer ser um sacerdócio, isso é, um serviço desinteressado. Nós não temos autores, nós acolhemos os autores; nós não encomendamos obras, nós estamos abertos a receber. Na verdade, recebemos mais de 100, 150 manuscritos por mês, que são lidos, analisados, de todo tipo de produção. Quer ser um sacerdócio como serviço a essa causa. O mundo dito como discurso, o mundo pronunciado pela teoria, pelo livro, pela palavra. A Vozes quer ser um sacerdócio dessa pronúncia do mundo, importa que ela seja verdadeira, seja autêntica. O principal não é que ela seja cristã, que ela seja verdadeira, seja séria, porque se ela for séria e verdadeira ela tem uma santidade intrínseca e ela se religa àquele mistério que ilumina cada pessoa, cada inteligência que vem a esse mundo.

Então, a Vozes é um espaço de liberdade, um espaço de trabalho de produção; não fazemos muito espalhafato, não fazemos muita propaganda por nada, que não estamos na montanha, estamos numa cidade provinciana, de horizontes pequenos, de um povo profundamente provinciano, dependente da grande metrópole que é o Rio de Janeiro, mas lá se trabalha com seriedade. Nós estamos sempre abertos, eu digo aqui, a todo tipo de produção, e eu me alegro muito que a Vozes tem podido acolher muitos intelectuais do Rio Grande do Sul, nos vários campos do saber puderam produzir um trabalho que é típico daqui: sério, profundo. Talvez outros sejam até mais criativos, mas aqui se recolhe a grande tradição do pensamento mundial, é assimilado, traduzido, para as nossas necessidades, vertido numa dicção profundamente nossa, brasileira.

Sinto-me orgulhoso de poder dizer, aqui, no meio de vocês, porque o Rio Grande do Sul tem dado muito a nós. Alegro-me muito, porque diante do Lídio Peretti, a Vozes aqui no Rio Grande do Sul tem se transformado num local de encontros de intelectuais, de leituras, de discussões, de referências para uma produção contemporânea, séria, que procura captar aquilo que é pensado no mundo inteiro, e também traduzido. Na verdade, nós não traduzimos; publicamos nossos autores nacionais, queremos dar espaço a eles. E quanto sonho! E, às vezes, se acercam e dizem: “Eles vêm de longe, das periferias de nosso País, Como posso publicar um texto? Como posso fazer chegar um manuscrito? Como se escreve um livro?”. É a fome de chegar à luz, como uma plantinha que, na Selva Amazônica, se soergue para cima em busca do sol, da luz. É importante que sejamos sensíveis a tudo isto, que não fiquemos somente no eixo Rio/São Paulo/Belo Horizonte. O Brasil é grande, o Brasil é inteligente. Em cada ponto, em cada centro regional há inteligências sérias, há pesquisas coerentes, há um trabalho com afinco. Queremos apoiar isso, e ser a Vozes uma expressão da busca nacional, do reto comportamento face à realidade, da busca sincera da verdade.

Por fim, quero agradecer a presença de vocês, as palavras de apoio que nos deram. Gostaria que nós da Vozes merecêssemos aquela bem-aventurança que o poeta maior Castro Alves diz daqueles que produzem livros. Oxalá esta bem-aventurança valha para nós da Vozes, valha para todos os autores, especialmente os do Rio Grande do Sul: “Oh, bendito o que semeias livros, livros à mão cheia. E manda o povo pensar. O livro caindo n’alma é germe que faz a palma, é chuva que faz o mar”. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Agradecemos a presença do Ver. Antonio Hohlfeldt, Prefeito Municipal em exercício; do Frei Neylor Tonin; do Frei Leonardo Boff; do Major Edgar Inchauspe; do Sr. Roque Jacob; das demais autoridades presentes; dos senhores e das senhoras; dos Vereadores que participaram desta solenidade.

Estão encerrados os trabalhos.

(Levanta-se a Sessão às 18h26min.)

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